Nota
“Antes que nossas famílias cheguem, acho que todos nós deveríamos compartilhar rapidamente as mentiras que contamos a eles e que gostaríamos que uns aos outros corroborassem.”
Kimberly Finkle, Bela Malhotra, Leigthon Murray e Whitney Chase são quatro calouras de 18 anos que acabam de chegar ao Essex College, em Vermont, e acabaram por se tornar colegas de quarto. Quatro garotas completamente diferentes que acabam construindo uma amizada enquanto exploram seu estilo de vida sexualmente ativo e lidam com as diferentes lutas e dificuldades que a faculdade traz. Kimberly era uma das melhores alunas em seu colégio público, mas entrar em Essex muda completamente sua vida, principalmente quando ela descobre que ser a melhor em uma escola pública pode significar ser a pior em uma faculdade particular, onde ela precisa lutar para manter a bolsa e vive a decepção de ver seu namorado de infancia acabar com ela. Bela é descendente de imigrantes indianos, que apostaram tudo para que a filha estude neurociência em Essex, mas ela secretamente está estudando para se tornar uma roteirista de comédia. Leigthon é a típica patricinha, rica e desejada por todos, mas ela quebra os padrões ao ser uma excelente aluna de matématica e por guardar um grande segredo: apesar de ser desejada por todos os garotos da faculdade, ela é lésbica e não tem coragem de assumir. Whitney viveu uma vida regrada por anos, principalmente por ser a filha da Senadora Evette Chase, mas ao entrar na faculdade ela acaba se envolvendo com Dalton, o assistente da treinadora do time de futebol feminino, que posteriormente descobre ser casado.
Fruto da mente criativa de Mindy Kaling, a série criada para a HBO Max em outubro de 2019 é divertidade comédia sobre as aventuras sexuais de quatro colegas de quarto ingressando na vida universitária, uma temática que pode parecer clichê a primeira vista, mas que ganhou muito mais nuances nas mãos da roteirista. Quando se pensa numa série com essa temática, a primeira impressão seria ver quatro adolescentes gostosonas vivendo diversas aventuras e loucuras na universidade, numa vibe American Pie, mas Mindy soube escolher bem suas linhas narrativas, fazendo com que o grupo acolhesse não simplesmente as gostosonas (apesar de termos Leigthon no grupo), mas os estereotipos escolares e todos os seus dramas. Kimberly é a nerd pobre, Bela é a imigrante indiana (que pode até ser livremente inspirada na própria Mindy), Leigthon é a lésbica encubada e Whitney é a negra, quadro grandes estigmas da comédia que ganham sua valorização dramática e narrativa no decorrer da série. Inicialmente programada para ter treze episódios de meia hora, a primeira temporada do show acabou ganhando um piloto de uma hora mais nove episodios de 30 minutos, que contaram com o suporte de Justin Noble como co-roteirista e produtor executivo.
O elenco protagonista é formado por Pauline Chalamet como Kimberly, Amrit Kaur como Bela, Reneé Rapp como Leigthon e Alyah Chanelle Scott como Whitney, quatro atrizes com poucos papeis grandes na carreira, que acabaram cumprindo perfeitamente com a expectativa que lhes foi depositada, agarrando o papel de uma forma certeira e construindo quatro personagens que sustentam bem seus plots e envolvem o público neles. A irmã mais velha de Timothée Chalamet pode ser a dona do arco narrativo com maior presença de tela, mas infelizmente a personagem de Pauline parece ser muito podada e apática quando se trata da entrega emocional, algo que contrasta bastante com a atuação de Gavin Leatherwood como Nico Murray, o irmão mais velho de Leigthon que acaba se tornando interesse amoroso de Kimberly. Amrit ganha um dos arcos mais pesados e divertidos ao mesmo tempo, sua jornada para entrar para o Catullan, uma revista universitaria de comédia que descobriu várias das estrelas da comédia, e sua busca por conseguir transar com caras de barriga trincada tornam seu plot extremamente divertido, mas o roteiro sabe usar essas linhas narrativas para equilibrar a pesada trama envolvendo o assédio de Ryan, que reflete a luta das mulheres para serem enxergadas e a objetificação masculina.
Alyah é uma das que melhor consegue desenvolver sua personagem, infelizmente Whitney não possui um plot verdadeiramente dramático, sendo relegada aos diversos clichês narrativos de produções sobre relacionamento, sendo a aluna que acaba se envolvendo com um ‘professor’ ou a jovem que acaba se envolvendo com um homem mais velho e descobre que ele é casado, felizmente essa trama passa por um arco completo e abre brechas para que, numa vindoura segunda temporada, a personagem possa receber dramas mais relevantes e possa ter uma relação mais próxima com sua mãe. Por fim temos o drama incompleto de Leigthon, uma trama que é muito bem executada, que levanta questões interessantes e dá espaço para a personagem ser bem desenvolvida, passar por diversas evoluções e reformas internas, mas acaba não cabendo apenas na primeira temporada, deixando muito a se resolver numa segunda temporada, mas não de uma forma frustante, pode se dizer que a produção sabe dar o tom do subplot para que ele se desenvolva bem e ainda deixe sua resolução em aberto.
Com uma abordagem envolvente, divertida e moderna sobre a vida universitária, The Sex Lives of College Girls é uma mistura equilibrada de humor e reflexões sobre amadurecimento, a série desenvolve sua narrativa explorando temas como sexualidade, amizades, ambições e identidade com uma roupagem leve e cômica, capaz de trazer a tona assuntos polêmicos como desigualdade racial, exploração sexual e pressões sociais sem perder o ritmo e logo depois voltar à comédia sem soar insensivel. Cada protagonista é multifacetada, trazendo histórias únicas que refletem os diferentes desafios e perspectivas, o que torna a série muito mais acessível, apesar de haver subtramas que são pouco desenvolvidas, que poderiam ter recebido mais profundidade, como é o caso da questão familiar problemática que claramente existe entre Nico e Leigthon com seus pais. A série consegue ir além das protagonistas, abraçando a diversidade racial, sexual e social de forma natural e sem ser forçada, mas infelizmente a representatividade vai além da existência dos personagens, e é onde a série peca, ao não dar uma história a eles, deixando que eles só existam como apoio das protagonistas. Apesar de alguns clichês e momentos previsíveis, a série se destaca por suas personagens bem construídas, humor inteligente e temas relevantes, ela se sustenta por sua narrativa que dá destaque à autonomia e à voz das personagens femininas e tem grande potencial para crescer em temporadas futuras, onde poderá se aprofundar em assuntos mal desenvolvidos.
“Você é a pessoa mais engraçada que eu conheço. É como viver com o Pernalonga.”
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.