Crítica | Dois Papas (The Two Popes)

Nota
4

Baseado na obra de Anthony McCarten, e por ele adaptado para o cinema sob a direção de Fernando MeirellesDois Papas é uma biografia parcial que se concentra nos encontros entre o papa Bento XVII e o então cardeal Bergoglio, que viria a se tornar o papa Francisco. Apesar de, na vida real, os dois papas nunca tenham se encontrado para discutir a renúncia e a sucessão, McCarten e Meirelles utilizam as figuras centrais como forma de ilustrar as discussões que pautavam a Igreja Católica durante o período – e, de quebra, explorar algumas dimensões extras dos protagonistas, como seus passados e indagações.

O que mais impressiona no trabalho de Meirelles é como a ansiedade de sua câmera (seus closes extremos e movimentos bruscos) não apenas dialoga com a energia emocional dos protagonistas, mas também dinamiza uma cinematografia que poderia tornar a experiência muito passiva. Como nos seus melhores trabalhos, ele mergulha o espectador no íntimo das figuras centrais, tão diferentes entre si mas igualmente cheias de ideais e incertezas.

A força no olhar de Jonathan Pryce é absolutamente magnetizante em seus momentos de indignação, mas suficientemente ambivalente para explicitar suas dúvidas e arrependimentos – visto que seu passado esconde alguns horrores impossíveis de se apagar. Com todo o seu semblante conservador, o que fez a sua fama, o Bento XVII de Anthony Hopkins (no seu melhor trabalho em décadas) é, talvez, o maior exemplo de autorreflexão e sabedoria no cinema de 2019; a capacidade de, com toda a idade e experiência, olhar para si e enxergar limitações, sentindo o vazio de estar perdendo para o tempo, está sempre estampada nos gestos do ator – desde suas evasivas na conversa no jardim até sua forma de se dirigir ao cardeal para se confessar.

É inegável que o filme perde força nos flashbacks (longos, excessivamente ilustrativos), que quebram o que ele tem de mais extraordinário: o duelo cheio de humor e de sabedoria entre duas personalidades diametralmente opostas cuja dinâmica prova a força das diferenças. Factual em baixo ou alto percentual, o que importa aqui é como Dois Papas encontra relação com as discussões vigentes no mundo inteiro da maneira mais acessível e agradável possível, sem perder impacto como drama.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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