Nota
“Tenho que sair do guarda-roupa.”
Celia e Sofia são amigas há décadas, tendo uma participado na construção da família da outra e passando a morar juntas depois de se tornarem viúvas. As mulheres, que agora são setentonas, causam um enorme alvoroço em suas famílias e na sociedade conservadora em que vivem quando resolvem assumir que estão namorando e que desejam se casar. O anuncio do casamento acaba reunindo toda a família descompensada da dupla, incluindo Jorge, o filho desajeitado de Celia, e Eva, a neta de Sofia que está prestes a se casar com o herdeiro de uma família suíça megaconservadora, que eram namorados na adolescência e não se viam há anos.
Com uma premissa extremamente criativa, capaz de se tornar a base para um filme estupendo, o longa que marcou a estreia de Ángeles Reiné como diretora e como roteirista é a prova perfeita de que boas intenções não são suficientes para salvar um roteiro caótico. Salir del ropero aposta na mistura da comedia com o drama familiar, mas acaba acertando num tom novelesco demais, deixando claro que precisávamos de um ponto de vista menos carregado de estereótipos e mais próximo da realidade. Com muito mais humor físico do que realmente piadas inteligentes, a trama até consegue nos divertir, mas não consegue nos prender por tempo suficiente para construir uma trama relevante. Fica claro que o objetivo de Reiné era mostrar o grande dilema de quando uma amizade acaba se revelando ser um grande amor, sobre o amor na melhor idade e sobre o grande tabu do mundo LGBTQ+ para pessoas mais maduras, uma ideia que talvez tivesse sido melhor trabalhado caso ela tivesse o apoio de um roteirista muito mais experiente e pronto para ter um tato melhor na construção do enredo.
Perlita, junto a Celia e Sofia, parece ser o centro do núcleo principal de uma novela mexicana, cheia de dramas e situações embaraçosas, já Eva passa por um plot muito embaraçoso, já que fica claro desde o inicio que ela tem o costume de fazer parte de uma família nada tradicional, mas externa um preconceito e egoísmo que não reflete em nada a forma como foi criada. Jorge não apresenta uma verdadeira motivação para seus ideais, o que torna sua luta muito mais sem noção e dificil de engolir. Natasha, a mãe de Eva, é uma grande atriz descompensada, que acaba não adicionando praticamente nada na trama, servindo apenas como uma coadjuvante que, claramente, não tem controle nenhum sobre os seus filhos. A trama de Said e Salima, o filho de Natasha que se converteu ao islamismo e sua esposa, tinha tudo para ser o grande desafio da trama, mas os jovens surgem com uma mentalidade tão progressista que tudo parece oportuno demais. Bienvenido, que surge no papel de maior ‘antagonista’ da história, acaba sendo o papel que maior se destaca na trama, com Alex O’Dogherty tendo que lidar com a pressão que sofre da igreja e da comunidade quando suas mais próximas fieis resolvem se casar e começam a exigir que ele seja o oficializador do matrimonio, ao mesmo tempo que se sente no dever de repreender as senhoras por essa atitude inversa aos princípios da igreja. O papel de Rosa Maria Sardà, como Celia, parece meio limitado, sem uma evolução muito significativa e sem muita expressão da atriz, o que nos faz questionar se já não era um reflexo do câncer que acabou levando a atriz a falecer alguns meses depois.
Pouquíssima coisa se salva em Vovó Saiu do Armário, que acaba se tornando um filme descompensado, com enredo engessado e uma montagem estranha, criando um ritmo fraco, que força a trama a se dividir entre o dilema de Eva e a luta de Celia e Sofia, mas acaba deixando o primeiro de lado quase durante o longa inteiro para dar ênfase ao segundo, o que pode ser considerado um acerto. Um dos pontos altos do original italiano da Netflix é, com toda a certeza, sua fotografia envolvente, que nos transporta por paisagens de tirar o fôlego e um clima bem família, mas o filme é amplamente condenado pelo excesso de personagens secundários e a falta de sintonia de seu elenco, principalmente da péssima desenvoltura da atuação de Verónica Forqué (Sofia), Ingrid García Jonsson (Eva) e David Verdaguer (Jorge), que parecem trazer uma influencia negativa para o desenrolar do longa, impedindo a imersão do público e o desenvolvimento do humor da produção. Temos uma obra que deveria ter sido feita para emocionar, mas que apresenta tanta falta de tato e sensibilidade que acaba destruindo a si mesmo de uma forma praticamente suicida.
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.