Crítica | Furiosa: Uma Saga Mad Max (Furiosa: A Mad Max Saga)

Nota
5

Se tornando mais uma vez o guia para um deserto pós-apocalíptico, onde a humanidade é um eco distante e a civilização uma ruína esquecida por consequências de suas próprias ações, George Miller acrescenta mais um capítulo a sua magnum-opus com Furiosa: Uma Saga Mad Max. Imergindo mais uma vez em uma paisagem árida e sem esperança, somos conduzidos através das estradas áridas para conhecer a origem daquela que assumiu o protagonismo em Mad Max: Estrada da Fúria e entender como se alçou ao papel de Imperatriz Furiosa. Anya Taylor-Joy (O Menu) assume magistralmente o papel da jovem Furiosa, um símbolo de sobrevivência, adaptabilidade e pura vingança contra aqueles que lhe tiraram tudo.

O novo épico conta a respeito do período de quase 20 anos entre o rapto da pequena Furiosa do meio de seu povo até ser aquela que se tornou a Imperatriz da Cidadela de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) no filme de 2015, interpretada brilhantemente por Charlize Theron (O Escândalo). A história de quase 2h30 é dividida em cinco atos, que retratam habilmente a transformação de uma menina que perdeu tudo em Imperatriz. A trama não se foca em pura ação eletrizante, como o anterior, e sim em uma narrativa que chega a ser mais contida, mas ao mesmo tempo épica e brutal, apoiando o enredo trágico de vingança da personagem-título contra o homem que matou sua mãe. O filme traça paralelos incríveis para quem acompanha a Saga Mad Max e tem conhecimento do original de 1979, sendo recheado de referências que podem ser captadas pelos olhos mais atentos. Não se trata de clichês do gênero quando uma continuação referência a sua própria origem, não é mesmo?

O roteiro, feito por George Miller e seu parceiro desde o primeiro Mad Max, Nico Lathouris, tem como base o conceito de origem do herói, mas dá contornos a toda trajetória da personagem principal. Em cada um dos atos Miller consegue fazer um perfeito equilíbrio entre a evolução de Furiosa e a apresentação dos coadjuvantes e suas histórias, principalmente ao introduzir um vilão tão carismático e enérgico quanto Dementus, interpretado mais do que brilhantemente por Chris Hemsworth (Thor). Se em Estrada da Fúria, os veículos e os coadjuvantes eram peças essenciais na ação ao ponto de roubar a atenção do personagem título, em Furiosa isso acontece de forma diferente. O foco na protagonista e em seu nêmesis sendo o que chamam mais atenção, e talvez puxando um pouco mais para o vilão em alguns momentos. A ação desenfreada e corridas alucinantes não é o objetivo como era em Estrada da Fúria, em que a trama era a justificativa para iniciar a perseguição, mas é o meio pelo qual os personagens se expressavam na forma de seus veículos principais e indumentárias pós-apocalípticas caóticas. O foco está no aprofundamento dos personagens e na ampliação da sua nova mitologia estabelecida em 2015, e a compreensão do conceito de saga e épico.

Anya Taylor-Joy adiciona uma profundidade na sua interpretação da jovem Furiosa de corpo e alma. Sua atuação entrega uma personagem sofrida, mas com uma casca protetora que se formou diante das intempéries enfrentadas no decorrer dos anos. Tendo pouquíssimas falas no longa, foi necessário que a atriz entregasse tudo na forma de seus atos e isso foi alcançado de forma perfeita. Quem se encantou com Charlize Teron estará mais do que satisfeito com o que foi entregue aqui. Alyla Browne interpreta a versão criança de Furiosa, conseguindo transmitir perfeitamente, somente com o olhar, desde o momento da perda da sua infância pura e o fogo do ódio que passaria a consumir sua vida. Poucas atrizes nessa idade conseguem ter uma atuação silenciosa e tão expressiva quanto ela. Enquanto isso, cabe a Chris Hemsworth oferecer um vilão caótico e verborrágico que contrasta com a atmosfera silenciosa de Anya. Deementus não é um personagem simples e sim extremamente expansivo, barulhento e performático, que nas mãos do ator conseguiu se tornar uma força da natureza no meio de Westerland.  Anya Taylor-Joy brilha em sua sobriedade e ódio enquanto Chris Hemsworth lhe atinge com seu carisma e barulho de cima de sua biga romana puxada por motos.

A cada novo capítulo do longa somos apresentados, ou revisitamos, personagens já conhecidos. Dos novos podemos citar a perfomance de Charlee Fraser (Todos Menos Você) como Mary Jo Bassa, mãe de Furiosa, que no seu pouco tempo de tela conseguiu se destacar em uma das melhores sequências do filme. Ainda o Praetorian Jack, interpretado por Tom Burke (C. B. Strike), um pináculo de calma, controle e frieza que ressoa em contrate com o caos que esse mundo retrata. Dos personagens já conhecidos vale a pena citar a mudança do ator de Immortan Joe, antes interpretado pelo veterano da saga Hugh Keays-Byrne, que infelizmente partiu em 2020, mas aqui foi homenageado e teve seu legado passado para Lachy Hulme (Matrix Reloaded), interpretando o soturno personagem de forma simples mas marcante como deve ser.

Diferente do seu antecessor, Furiosa: Uma Saga Mad Max teve suas gravações feitas novamente na Austrália, retornando ao local de origem da Saga e o local onde se passaria na vida real. Este cenário, repleto de tons alaranjados durante o dia e azulados à noite, não é apenas um pano de fundo, mas uma extensão da narrativa, contribuindo para o desenvolvimento emocional e psicológico de Furiosa e dos outros personagens. A utilização de CGI em Furiosa é uma demonstração de como a tecnologia pode ser empregada para enriquecer a narrativa sem jamais se sobrepor à essência da história. Miller e sua equipe de efeitos visuais tentaram equilibrar os elementos práticos com a computação gráfica, resultando em um mundo que, embora fantástico, mantém-se incrivelmente tangível e palpável mesmo que em vários momentos ainda fosse possível sentir um leve “incômodo” beirando o Vale da Estranheza.

Furiosa: Uma Saga Mad Max é uma obra-prima visual e emocional que redefine o cinema pós-apocalíptico. Este é um filme que deve ser visto na tela grande para ser plenamente apreciado, uma jornada épica que não se limita apenas à ação, mas explora profundamente a natureza humana e a busca pela sobrevivência e vingança. Não perca a chance de experimentar essa aventura cinematográfica no cinema.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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